A relação de emprego prevê direitos e deveres a empregadores e empregados, bem como sanções em caso de não cumprimento das condutas e atividades previstas em contrato. A demissão por justa causa, por exemplo, é a penalidade máxima aplicada quando há falta grave por parte do empregado, mas o que ocorre quando o descumprimento do contrato parte do patrão?
Nesses casos, aplica-se a rescisão indireta, você sabe o que é?
Apontada como uma inversão da demissão por justa causa, a rescisão indireta é uma anulação do contrato de trabalho não tão disseminada entre funcionários.
Nesta modalidade, é o trabalhador quem “dispensa” a empresa ou o patrão, em casos onde se sente lesado pelo vínculo de emprego, mediante comprovação através de testemunhas ou provas documentais.
Apesar da nomenclatura parecer difícil, o processo não é tão complicado quanto parece, mas precisa respeitar alguns princípios como proporcionalidade, imediatidade e gravidade.
Mas, antes de entender o que é rescisão indireta e como ela acontece, é preciso mergulhar um pouco mais nas diferentes formas de desligamento previstas na Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, para então considerar quais os requisitos da rescisão indireta.
No Direito Trabalhista há o entendimento de que a perenidade do vínculo de emprego se faz necessária para que a relação entre empregador e empregado seja propícia às melhores condições de trabalho, bem como a manutenção deste.
Em termo jurídico, trata-se do Princípio da continuidade da Relação de Emprego. Esse parecer constitui presunção favorável ao empregado, cabendo o ônus da prova, quanto ao término do contrato, ao empregador conforme prevê a súmula 212 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) —, exceto na rescisão indireta, neste caso a comprovação fica a cargo do autor do processo.
Quais são as formas de rescisão contratual previstas na CLT?
Segundo o Direito do Trabalho, chama-se de rescisão todo o ato de pôr fim ao vínculo empregatício, questão que costuma gerar dúvidas tanto em quem emprega quanto em quem presta serviço, visto que uma das partes costuma sair no prejuízo — a depender do cenário, o trabalhador tem a possibilidade de perder o direito ao recebimento de algumas verbas rescisórias, bem como a empresa pode ter que desembolsar mais para desligar o colaborador.
Existem, considerando a CLT e jurisprudência da Justiça do Trabalho, nove formas de extinção do vínculo empregatício, são elas:
- Pedido de demissão: quando o pedido de desligamento parte do colaborador;
- Demissão por justa causa: quando o empregador decide despedir o empregado por condutas inapropriadas no ambiente de trabalho;
- Acordo entre as partes: previsto na Lei 13.467/17, é quando empregador e empregado entram em consenso sobre a revogação do contrato;
- Dispensa Arbitrária: quando não existe causa para a demissão nem por parte do empregador, nem por parte do empregado. No entanto, a empresa tem a liberdade de fazê-lo.
- Falência: quando a demissão do empregador é amparada pela situação econômica da empresa;
- Culpa Recíproca: neste caso, há falta grave tanto por parte do empregado quando do empregador;
- Dispensa imotivada: oriunda da reforma trabalhista, este tipo de rescisão prevê a flexibilidade da demissão em massa;
- Rescisão Indireta: ao contrário da justa causa, esse término de contrato acontece quando é empregador quem comete a falta grave ou conduta inapropriada;
O que é a rescisão indireta do contrato de trabalho?
Em termos mais compreensíveis, essa modalidade de desligamentos pode ser caracterizada como a dispensa que parte do trabalhador, ou seja, a justa causa do empregador.
Prevista no Artigo 483 da CLT, a rescisão indireta formaliza a suspensão do contrato de trabalho por parte do empregado quando ocorrem faltas graves que prejudicam ou inviabilizam a continuidade do serviço, bem como a relação profissional.
Desta forma, o vínculo empregatício se torna impraticável pelo prejuízo causado ao colaborador, que precisa comprovar que as cláusulas não estão sendo cumpridas e que há dano à dignidade, à produtividade e à prestação de serviço.
Entre os principais motivos para essa quebra no contrato estão o atraso de salário, que não pode ultrapassar um mês, bem como o não recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), constrangimento e assédio moral, ou mesmo agressões físicas e verbais.
Quais são os requisitos para rescisão indireta?
O artigo 483 prevê alguns requisitos para que a rescisão indireta seja válida. As premissas são gerais, cabendo a um advogado analisar as particularidades de cada caso, de modo a encaixar a situação relatada pelo empregado nos requisitos e entrar com a ação na Justiça. Um exemplo prático é quando empregador degrada a relação contratual ao submeter o funcionário a constrangimento, ferindo assim a dignidade e a honra do prestador de serviços através de condutas abusivas, seja por palavras ou ações.
Os requisitos da rescisão indireta previstos no art. 483 são:
- a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
- b) ser tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
- c) correr perigo manifesto de mal considerável;
- d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
- e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
- f) Empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
- g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
Para garantir a validade da rescisão indireta, o trabalhador deve se atentar ao procedimento. Ao observar a falta do empregador, o empregado deve comunicar o empregador sobre o rompimento do contrato, visto que essa categoria de anulação contratual começa pela ação trabalhista de rescisão. O procedimento precisa contar com a ajuda de um advogado, que irá protocolar o pedido frente à Justiça do Trabalho.
Listando exemplos práticos, não é apenas um mal-estar com o patrão que irá desencadear um cenário propício à rescisão indireta. Deve-se observar em quem grau essa ação fere a produtividade ou dignidade do prestador.
No caso de assédio sexual, por exemplo, há incitação de desconfortos que podem gerar não apenas a uma baixa no rendimento como também transtornos psicológicos e sociais. Da mesma forma, o assédio moral praticado pelo superior descredibiliza o trabalhador, que passa exercer as funções sob intensa pressão psicológica.
Outros exemplos:
- Descumprimento do contrato de trabalho: ações como não liberar as férias, atrasar salário por período superior a trinta dias e não recolhimento de FGTS geram quebra de confiança na relação profissional, de forma que o colaborador passa a viver sob a incerteza quanto ao cumprimento das obrigações por parte da empresa ou patrão;
- Redução de carga horária: quando o funcionário tem um corte nas horas trabalhadas, por parte da instituição, que diminui a remuneração;
- Agressões também entram na listagem de ações que incidem na justa causa do empregador, exceto quando é uma situação de legítima defesa;
- Quando a empresa obrigada o prestador de serviço a praticar ações que ferirão a honra, como mentir, também há motivos para a quebra da relação de trabalho.
E quanto a rescisão indireta na pandemia?
Ao considerar a pandemia de Covid-19, reputada como a maior crise sanitária mundial do século, a revogação indireta do contrato de trabalho também é passível de aplicação, em especial quando se observa o requisito de submissão do contratado a “perigo manifesto de mal considerável” e o não cumprimento do empregador das “obrigações do contrato”.
O home office é uma das principais medidas de segurança que as corporações classificadas como não essenciais vêm adotando para proteger os colaboradores da infecção por Sars-Cov-2.
Por outro lado, serviços indispensáveis à população tais quais mercados, farmácia e postos de combustíveis entram no rol de empresas que podem requerer que os funcionários se apresentem ao posto de trabalho de forma presencial, entretanto, deve-se fornecer todas os mecanismos de proteção.
Desta forma, as empresas precisam se atentar às normas sanitárias previstas para prevenir o contágio pelo novo coronavírus, de forma que contaminação nas dependências da empresa pode configurar um motivo de quebra contratual por parte do funcionário. Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), como máscaras e álcool gel precisam ser fornecidos, bem como as regras de distanciamento social. Vale lembrar que cada estado possui normas sanitárias específicas. No caso de não cumprimento do que está estabelecido, o empregador coloca em risco a saúde do trabalhador.
Por outro lado, rescisões indiretas motivadas por atrasos de salários e falta de recolhimentos do FGTS estão sendo mais difíceis de serem consideradas pelos Tribunais, pois o cenário econômico atual é desfavorável.
Todos os casos citados se valem dos princípios de gravidade, proporcionalidade e imediatidade, sendo necessário a comprovação da falta do contratante por provas testemunhais ou documentais, bem como a insustentabilidade do vínculo empregatício.
Como previsto em lei, é preciso comunicar o empregador e entrar com a ação na justiça, se atentando a não deixar o posto de trabalho antes de entrar com a ação trabalhista de rescisão contratual, pois isso pode ser configurado como abandono de emprego.
Na rescisão indireta, o empregado deve continuar trabalhando?
A falta grave do empregador gera mal-estar na relação de emprego, sendo comum o aparecimento de um questionamento: posso pedir rescisão indireta e continuar trabalhando? A resposta é depende! O procedimento pode seguir por dois caminhos.
Se for considerado apenas o que diz a Consolidação das Leis do Trabalho, o parágrafo 3º do artigo 483 da CLT diz que apenas o não cumprimento do contrato ou a redução do trabalhador dariam o direito ao empregador de decidir se permanece ou não em serviço até o final do processo.
Entretanto, a jurisprudência da Justiça do Trabalho já ampliou essa faculdade do empregado, de sair do emprego após a abertura do processo sem caracterizar abandono do posto de trabalho, para os demais requisitos da rescisão indireta.
Em caso de parecer favorável à rescisão indireta, quais são os direitos de empregado?
Ao contrato do que ocorreria caso o empregado apenas pedisse demissão, quando a ação de rescisão indireta procede, não há perdas de verbas rescisórias.
Isso porque a lei trabalhista legisla que caso fique comprovado a falta grave do empregador, o trabalhador irá gozar do recebimento de todos os direitos trabalhistas tal qual fosse demitido sem motivo aparente, como férias proporcionais e FGTS. Em alguns casos, a depender da gravidade da falta, cabe o recebimento de indenização por danos morais.
Ao considerar o cálculo da rescisão indireta do contrato, o empregado deve receber no pagamento:
- Salário proporcional aos dias trabalhados desde o último pagamento;
- 13º salário proporcional;
- Direito ao saque do FGTS, acrescido de 40% do total relativo à indenização;
- Aviso-prévio indenizado;
- Férias vencidas e/ou proporcionais, acrescidas de 1/3;
- Entrega das guias para solicitação do seguro-desemprego
Como a empresa pode evitar a rescisão indireta?
Para se resguardar de rescisões indiretas, a empresa pode adotar políticas internas que facilitem a identificação de lesões ao trabalhador, o que pode ser realizado através de canais de denúncia ou palestras para conscientizar sobre as condutas que devem ser adotadas, por exemplo.
Entendeu o que é rescisão indireta? Caso ainda tenha dúvidas, deixe o questionamento nos comentários ou entre em contato conosco pelos nossos canais de atendimento.
Lembre-se:
A relação amistosa entre empresa e funcionário é o melhor caminho para evitar problemas judiciais!